segunda-feira, março 12

A semana que não terminou

O mês passado foi marcado pelo aniversário de 90 anos da Semana de 22, realizada entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922 no Theatro Municipal de São Paulo e que marcou a história da cultura brasileira. A idéia da Semana de Arte Moderna era instaurar-se como marco simbólico de transformação e ruptura. Naquela semana o saguão do Theatro Municipal de São Paulo abrigou um conjunto amplo de obras – pinturas, esculturas, projetos arquitetônicos – consideradas ousadas o suficiente para receberem o título de “modernistas”. O intuito era demonstrar a existência de um amplo movimento de contestação às normas de modelos importados e transmitidos artificialmente por meio de uma esterilização acadêmica. A proposta do movimento era produzir uma arte nitidamente brasileira, sem complexos de inferioridade à arte produzida na Europa.
As gerações seguintes à Semana de 22 foram agregando valores às fases do modernismo e contribuindo para consolidar uma gama de análises estéticas e culturais no País, dando continuidade a este pensamento modernista, e seus desdobramentos afetam a cultura brasileira até hoje. Um grande exemplo é a poesia construtivista de João Cabral de Melo Neto e o Movimento Armorial, este último encabeçado pelo escritor Ariano Suassuna, que orienta todas as expressões artísticas – música, dança, literatura, artes plásticas, teatro, cinema, arquitetura – a criar uma arte erudita, porém popular; A melodia de Heitor Villa-Lobos que destaca-se por ter sido o principal responsável pela descoberta de uma linguagem peculiarmente brasileira em música, compondo obras que enaltecem o espírito nacionalista, ao qual incorpora elementos das canções folclóricas, populares e indígenas; O movimento Tropicalista, com Hélio Oiticica na artes plásticas e Caetano Veloso, Gilverto Gil, Tom Zé e Os Mutantes na música também trouxe uma nova atitude, um novo modo de olhar para nossa cultura, com um sentimento de pluralidade e democracia.
Assim como tantos outros artistas em diversas frentes como: A Literatura de Cordel de Patativa do Assaré; a literatura de Guimarães Rosa, Mário Quintana e da mulher roceira Cora Coralina; a música do Cordel do Fogo Encantado, de Zeca Baleiro, de Maria Bethânia, de Clara Nunes, de Elis Regina; o Movimento Mangue Beach de Chico Science; as obras de Arthur Bispo do Rosário e as criações de Ronaldo Fraga demonstram a importância e os desdobramentos da Semana de Arte de 22. É que o evento, considerado um divisor de águas nas artes do País, mudou para sempre a forma do País se ver.

Dica: Livro "1922 - A Semana que Não Terminou" (Companhia das Letras), de Marcos Augusto Gonçalves.

Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia.
 Liev Tolstoi


       E falando em artistas que de dedicaram a representar a cultura brasileira... desde fevereiro está sendo exibido pela primeira vez em São Paulo os painéis Guerra e Paz de Cândido Portinari (1903-1962).  

Encomendados pelo governo brasileiro para presentear a sede das Organizações das Nações Unidas (ONU), em Nova York, os painéis estavam localizados no hall de entrada da Assembleia Geral e eram de acesso restrito aos delegados das nações. Nem mesmo durante as visitas guiadas à ONU as obras podiam ser vistas pelo público, por razões de segurança. Com a realização de uma grande reforma no edifício-sede da ONU entre 2010 e 2013, o Projeto Portinari, que cuida do legado do artista, conseguiu a guarda dos painéis para restaurá-los e promover sua exposição no Brasil e no exterior nesse período.

Para marcar o retorno dos painéis ao país, as obras foram reapresentadas no Theatro Municipal do Rio de Janeiro em dezembro de 2010, 54 anos depois da primeira e única vez que o público brasileiro e o próprio Portinari tiveram a oportunidade de vê-las antes de serem embarcadas para os Estados Unidos. Na época, os Estados Unidos não permitiram a ida de Portinari para a inauguração dos murais devido às ligações do artista com o Partido Comunista.

“Trata-se de uma exposição histórica, sem precedentes, oportunidade única de ver Guerra e Paz no Brasil reunidos aos estudos, no Memorial da América Latina, em São Paulo. Nem o próprio pintor teve a chance de ver todo este material em seu conjunto", afirma João Candido Portinari, filho do pintor, fundador e diretor geral do Projeto Portinari.

Guerra e Paz são a síntese de uma vida inteira comprometida com o ser humano. Sua pintura, como sua militância política, levantou-se contra as injustiças, a violência e as misérias do mundo. Os murais medem, cada um, 14 metros de altura e 10 metros de largura e são compostos, ao todo, por 28 placas de madeira compensada naval, com 2,2 metros de altura por 5 metros de largura, que pesam 75 quilos cada uma. A área total pintada, uma superfície de 280 metros quadrados, é maior do que a do Juízo Final, de Michelangelo, na Capela Sistina, na Itália.

Pintados entre 1952 e 1956, os murais representam a derradeira obra de Portinari. Intoxicado pelo chumbo das tintas que utilizava e impedido de pintar pelos médicos que o acompanhavam, o artista aceitou o convite do governo brasileiro para criar Guerra e Paz e, depois disso, adoeceu, falecendo em 6 de fevereiro de 1962 – há exatos 50 anos.

Exposição

 

A exposição ocupa três espaços do Memorial da América Latina. Os painéis estão expostos no Salão de Atos Tiradentes, em uma cenografia que lembra uma catedral, e poderão ser vistos pelo público em grupo de até 150 pessoas, devido à limitação do espaço. Uma apresentação audiovisual de cerca de nove minutos é projetada sobre uma tela também de dimensões monumentais, entre os painéis, a cada hora.

Já na Galeria Marta Traba, também no Memorial, estão reunidos cerca de 100 dos 180 estudos originais preparatórios para Guerra e Paz catalogados pelo Projeto Portinari, junto a documentos históricos como cartas, depoimentos e fotos que contam, em detalhes, toda a trajetória de criação dos murais. Obras de coleções internacionais vindas de Londres e Milão, como Feras, do Museo del Novecento de Milão, e Mulher Ajoelhada, proveniente de uma coleção particular, também integram esta sessão da exposição.

Completa a mostra a Biblioteca Victor Civita, localizada na Biblioteca Latino-Americana, que apresenta em formato digital a obra completa de Portinari por ordem cronológica. Pertencente ao Projeto Portinari, o acervo é resultado do levantamento e catalogação de quase cinco mil obras e, aproximadamente, 30 mil documentos relacionados às obras, vida e época do pintor, nascido em Brodowski, no interior de São Paulo.


Após a passagem por São Paulo, as obras deverão seguir para outras capitais e países, como Japão e Oslo, na Noruega, onde deverão ser expostas em dezembro por ocasião da entrega do prêmio Nobel da Paz, seguindo uma itinerância nacional e internacional que está sendo planejada até seu retorno à ONU, em 2013.


Exposição Guerra e Paz, de Portinari
De 7 de fevereiro a 21 de abril, terça a domingo, das 9h às 18h
Entrada franca
Memorial da América Latina
Av. Auro Soares de Moura Andrade, nº 664
Agendamento educativo: educativo@portinari.org.br
Mais informações: www.memorial.sp.gov.br.




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